Representantes do setor esportivo acusaram os vetos presidenciais à Lei Geral do Esporte de prejudicar a justiça desportiva e o acesso a equipamentos de ponta. As manifestações ocorreram nesta quarta-feira (16), na primeira de duas audiências públicas conjuntas entre as Comissões de Esporte (CEsp) do Senado e da Câmara dos Deputados.
Foram 397 vetos ( VET 14/2023 ) ao texto, dos quais 355 ainda estão pendentes de análise do Congresso Nacional. A Lei Geral do Esporte reúne dispositivos de outras normas que tratam do esporte (como o Estatuto do Torcedor, a Lei Pelé e a Lei de Incentivo ao Esporte), criando novos marcos para o setor.
A senadora Leila Barros (PDT-DF) afirmou que os parlamentares alinharam com o governo federal, em 2023, um novo texto sobre os pontos vetados, a ser votado como projeto de lei. O senador Carlos Portinho (PL-RJ) disse que o acordo com a então ministra do Esporte, Ana Moser, não foi mantido pelo atual titular da pasta, André Fufuca.
— Quem substituiu não está comprometido com esse acordo. Sentamos com Fufuca, entre alguns desencontros, e conseguimos chegar a algumas coisas menores, mas o resto não foi cumprido. Houve uma dispersão natural [nas discussões] e algumas intervenções, por isso eu decidi apresentar o requerimento [da audiência pública], porque a gente precisava reunir de novo o setor esportivo — disse Portinho.
A discussão segue na tarde da quarta-feira (16) em uma segunda audiência pública.
O diretor-geral do Comitê Olímpico do Brasil, Emanuel Rego, criticou a retirada de isenção de impostos para o esporte. Entre eles estava a isenção de Imposto de Importação (II) e sobre Produtos Industrializados (IPI) para importação de equipamentos ou materiais esportivos utilizados em competições de alto nível.
— As importações de materiais esportivos são importantíssimas para o mundo olímpico. Nossas seleções de voleibol precisam de um piso específico, que é internacional, que tem qualidades que, no Brasil, a gente não consegue. E com relação à ginástica artística, ela precisa, a cada quatro anos, mudar todo o seu plantel de equipamentos, porque há mudanças nas regras.
Segundo o governo federal, os parlamentares não apresentaram os estudos de impacto financeiro exigidos pela legislação para novos benefícios fiscais.
O deputado Luiz Lima (NOVO-RJ), que foi nadador olímpico, apontou que outras atividades que beneficiam a sociedade não sofrem cobrança de determinados impostos.
— A gente tem que lembrar que igrejas, partidos políticos, entidades sindicais, culturais, de imprensa e de reforma agrária gozam de imunidade tributária sobre bens. E aí a pergunta que fica: não seria justo o esporte também ser contemplado com incentivos fiscais similares, diante dos benefícios sociais que proporciona?
A cada real investido pelo Estado no esporte, R$ 12 retornam para a economia, segundo a representante do Instituto Sou Esporte Fabiana Bentes. Os dados são de estudo realizado pela entidade.
— A gente precisa do investimento econômico para incluir, para ter o desenvolvimento social. É a economia que faz o desenvolvimento social, e não o contrário. Uma Rafaela Silva [judoca olímpica] não cai do céu por inclusão social. Ela [existe] porque recebeu um investimento em toda a sua carreira, como todos os atletas que estão aqui.
O assessor jurídico da Confederação Brasileira de Futebol, Rodrigo da Paz Ferreira Darbilly, defendeu que as organizações esportivas possam criar seus próprios tribunais do esporte, que são entidades privadas. Para ele, dar mais autonomia às federações esportivas é a forma de melhor atender às demandas de cada esporte.
— [O trecho vetado] colocou como opção: se você quiser manter a estrutura, mantém a estrutura. Agora, nada impede que você busque outros meios, outras formas de organizar a sua Justiça Esportiva. A gente tem dificuldade até mesmo de formar esses tribunais esportivos em federações menores. E se houver qualquer tipo de desvio na formação, os meios de fiscalização e controle estão todos aí — disse Darbilly.
Atualmente, cada esporte deve ter uma justiça desportiva por estado e um Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) em nível nacional.
As entidades de administração também teriam maior liberdade para determinar as infrações e as punições em seu esporte. Desde 2009, há um Código Brasileiro de Justiça Desportiva que trata das infrações em todos os esportes. Os trechos vetados previam que o Código seria substituído pelas normas adotadas para cada esporte. As informações são do presidente do STJD do futebol, Luís Otávio Veríssimo Teixeira.
O governo federal entende que a flexibilização pode gerar entraves à atuação do Estado e dificulta o controle, segundo a mensagem que justifica os vetos.
Internacional
Os convidados também defenderam que a Lei Geral do Esporte preveja sua consonância com atos internacionais. O governo federal vetou o trecho por entender que poderia haver conflito com as leis brasileiras. No entanto, para o representante do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo, Caio Pompeu Medauar de Souza, muitas normas já são copiadas das federações internacionais.
— As normas antidopagem praticamente foram copiadas da Lei Pelé para a Lei Geral do Esporte, porque a Agência Mundial Antidoping negocia como a legislação de cada país vai ser colocada. Ela ameaça os países de tirar da conformidade caso haja algo na legislação que não esteja de acordo. A gente fala em soberania, autonomia, mas a gente tem essa “interferência”.
O representante da Liga Forte União, Gabriel Ribeiro Lima, defendeu o fim das contribuições dos clubes à Federação das Associações de Atletas Profissionais (Faap). Para isso, os parlamentares devem manter o veto aos trechos que preveem que essa entidade privada sem fins lucrativos deve realizar programas de assistência social, educacional e de trabalho para os atletas. Desde a Lei Pelé, a Faap exerce a atribuição custeada por parte dos salários e vendas dos atletas.
— A Faap recebeu grandes quantias de dinheiro sem ter prestado contas de como esses recursos são utilizados. 1% de todas as transferências de atleta e 0,5% de todos os salários supostamente são para ajudar os atletas. Mas não tem nenhuma prova que esses auxílios de fato tenham acontecido. A gente convida o Parlamento e o governo a desenharem alternativas menos espúrias.
Em manifestação sobre o veto entregue aos senadores, a Faap defende que os valores são revertidos em ações de educação e saúde aos atletas, como a concessão de um milhão de bolsas de estudos desde 2013. A federação ainda afirma que os principais clubes de futebol do país questionam na Justiça as cobranças, mas que diversos deles já desistiram dos processos judiciais após firmarem acordo com a Faap.
O projeto da Lei Geral do Esporte ( PL 1.825/2022 ) enviado à Presidência da República incorporava o conteúdo de seis leis esparsas sobre o esporte e, por essa razão, as revogava. No entanto, como o governo federal vetou diversos trechos, optou por não revogar totalmente a Lei Pelé e a Lei de Incentivo ao Esporte para não deixar lacunas legislativas.
A coexistência das leis diverge, por exemplo, na definição do que é um atleta profissional, segundo o gerente jurídico do Comitê Olímpico do Brasil (COB), Ricardo Nobre. Na Lei Pelé, o atleta profissional deve possuir contrato especial com entidade de prática desportiva, o que não é exigência da Lei Geral do Esporte, por exemplo.
Já o presidente da Federação Nacional dos Atletas Profissionais de Futebol (Fenapaf), Jorge Henrique Pereira Borçato, defendeu a manutenção da Lei Pelé. Para ele, a lei antiga já atendia às expectativas da federação para o futebol brasileiro.